Animações e documentos


2006
TELINHA MILITARISTA
Um filme sobre os jogos de guerra de Super Nes e a sua relação com o militarismo estadunidense.


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2007
(clique para jogar)

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"EXPROPRIE A MÍDIA" animação interativa

2007
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TUDO MUDA — NA VIDA FÍSICA E NA VIDA SOCIAL!
Tudo muda, tudo é móvel no Universo, porque o movimento é a condição mesma da vida.

Outrora, os homens, que o isolamento, o ódio e o medo deixavam na sua ignorância nativa, enchendo-os do sentimento de sua própria fraqueza, só o imutável e o eterno viam em redor.
Para eles, o céu era uma abóboda sólida, um firmamento no qual estavam pregadas as estrelas. A Terra era o firme alicerce dos céus e só um milagre podia fazer oscilar sua superfície. Mas, desde que a civilização prendeu os povos aos povos, numa mesma Humanidade; desde que a História atou os séculos aos séculos; desde que a Astro­nomia, a Geologia fizeram mergulhar o olhar em bilhões de anos para trás — o homem deixou de ser isolado e, por assim dizer, de ser mortal. Tornou-se a consciência do imperecível Universo.
Não relacionando já a vida dos astros nem a da Terra com sua própria existência tão fugitiva, mas comparando-a com a duração da raça inteira, e com a de todos os seres que antes dele viveram, viu a abóboda celeste revolver-se num espaço infinito e a Terra trans­formar-se num globozinho girando no meio da Via Láctea.
A terra firme, que ele pisa aos pés e que julgava imutável, anima -se e agita-se. As montanhas levantam-se a abaixam-se. Não são somente os ventos e as correntes oceânicas que circulam em roda do planeta os próprios continentes deslocam-se com os seus cumes e vales, põem-se a caminhar sobre a redondeza do globo.
Para explicar todos esses fenômenos geológicos, já não há neces­sidade de imaginar súbitas mudanças do eixo terrestre, abaixamen­tos gigantescos. De ordinário, não é dessa forma que procede a Na­tureza; é mais calma nas suas obras, modera a sua força, e as mais grandiosas transformações fazem-se sem o conhecimento dos seres, que ela sustenta. Eleva as montanhas e enxuga os mares sem per­turbar o vôo de um mosquito.
Certa revolução que parece a queda dum raio levou milhares de séculos a completar-se. É que o tempo pertence à Terra: renova todos os anos, sem se apressar, o seu adorno de folhas e flores; do mesmo modo, remoça, no decorrer das idades, os seus continentes pela sua superfície.
ELISEU RECLUS
retirado do livro "Anarquismo roteiro da libertação social" de Leuenroth (veja link)
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Este blog é uma publicação não lucrativa e muito legal. Divulgue para quem voçê gosta!!!
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ANARQUISMO - roteiro da libertação social
(Trechos do livro de Edgard Leuenroth)
"...O prefácio do livro está subscrito por um militante de renome internacional: Agustin Souchy. Elemento da velha guarda, nasci­do na Alemanha,lá começou a participar das lutas libertárias desde a mocidade. Desenvolvendo destacada atividade no campo da orga­nização proletária, tomou parte na reorganização da Associação In­ternacional dos Trabalhadores (1922).
Com o advento do nazismo, começou a peregrinar pelo mundo. Esteve na Espanha durante a revolução de 1936-1939. Visitou de­pois Israel, a fim de estudar as comunidades descritas em outra parte deste livro, e publicou uma obra em que registra as suas im­pressões. Tendo-se domiciliado no México, de lá partiu para uma excursão de estudos e propaganda pelos países da América Latina. Visitando o Brasil como termo de sua excursão, aqui realizou várias conferências. Por ocasião desse encontro com os libertários brasi­leiros, teve a oportunidade de examinar esta obra, para a qual escre­veu o trabalho que a inicia...."
"Prefácio (extraído do livro de Edgard Leuenroth, veja link)
É fato comum de cada dia encontrar-se em discursos de po­líticos, como na imprensa e em livros a palavra anarquia como qualificativo de uma situação de desordem, o que demonstra a igno­rância em matéria de etimologia e filosofia desses oradores, jor­nalistas e escritores. Nunca se diz que anarquia significa liber­dade e justiça para todos.
Em rigosa análise, o ideal de uma verdadeira democracia, a que aspira, em nossos dias, a maioria da humanidade, só se po­derá realizar com a ausência da coação econômica e política.
Se o povo resolve seus problemas sociais sem a intervenção de políticos profissionais, evitando rigorosamente, ao mesmo tempo, a corruptora burocracia administrativa, então o regime será verda­deiramente democrático, e, portanto, ácrata, isto é, anarquista. Em tal regime existirá a anelada felicidade social. A doutrina anar­quista nos apresenta o ideal de uma ordem social sem exploração privada ou estatal, no qual a administração das coisas acabará com a dominação do homem. Esta definição não é nova, mas tem de ser repetida, porque a mentira também se repete sempre.
O grande lema do movimento social surgido no século passado era — PÃO E LIBERDADE PARA TODOS. Nos últimos decênios do século passado e no século atual, sustentaram-se duras lutas para a conquista do pão. Graças a essas lutas e também devido ao progresso técnico e, conseqüentemente, ao aumento da produção de artigos de consumo, a situação material de uma parte dos povos não é tão alarmante hoje como era anteriormente. O fascismo, o nazismo, o peronismo, assim como, igualmente, o bolchevismo, pre­tenderam assegurar a satisfação das necessidades materiais das grandes massas. Serviram-se, com esse propósito, da antiga divisa — PÃO E CIRCO. O bolchevismo pôs em lugar da diversão a ilusão do patriotismo proletário. Em todos esses casos, a liberdade foi relegada para o último lugar. Uma ideologia autoritária empres­tada ao despotismo milenário infiltrou-se no movimento socialista do século XX, tirando-lhe o conteúdo libertador.
Esta lamentável situação exige novo esforço para despertar o espírito de liberdade nos movimentos emancipadores. Por essa ra­zão, o livro de Edgard Leuenroth: "ANARQUISMO — ROTEIRO DA LIBERTAÇÃO SOCIAL", tem inegável importância na atua-lidade. O autor demonstra-nos que, desde há mais de meio século, também no Brasil os libertários vêm lutando em favor da libertação não somente de uma classe, mas de todas as camadas sociais, e não somente para libertar uma nação, mas toda a humanidade. Esta luta não terminou ainda e continua na ordem-do-dia. Trata-se, hoje como ontem, de conseguir para todos o bem-estar ma­terial, as possibilidades educacionais e culturais, bem como as li­berdades públicas. É preciso, entretanto, dirigir a lança também contra a ignorância tradicional, os prejuízos religiosos, e combater toda classe dos prejudiciais dogmas que, no passado, impediram e na atualidade ainda impedem o progresso humano na ordem moral.
A meta dos anarquistas não é o estabelecimento de uma ordem social ideologicamente pré-fabricada em todos os seus detalhes. A anarquia não é uma sociedade imutável e uniforme: os anarquistas aspiram à emancipação do indivíduo das atrofiantes formas sociais. O movimento libertário caracteriza-se, portanto, menos por seu ideal de uma sociedade perfeita, mais pela dinâmica de suas ten­dências libertadoras. É um desenvolvimento voluntário no sentido da realização de formas sempre mais livres, mais perfeitas e mais harmônicas da vida social, não sendo, porém, a liberdade, a har­monia ou a perfeição em si..
O livro de Edgard Leuenroth não pretende apresentar um qua­dro completo da doutrina anarquista em suas diferentes e variadas facetas. Expõe-nos apenas certos aspectos ideológicos, juntamente com algumas idéias de pensadores anarquistas do passado e do pre­sente. O leitor tem, assim, a oportunidade de conhecer um movi­mento que não visa conquistar o poder político, mas que tem o abnegado, ingrato e, ao mesmo tempo, sublime fim de ajudar o
homem a despertar na consciência de si mesmo, sentir palpitar a dignidade humana no coração e salvaguardar a integridade da sua personalidade no embate com múltiplas formas de coação social. A soma dos indivíduos conscientes de si mesmos será o mais seguro sustentáculo da liberdade para todos, no seio da coletividade. Inter­pretado desta maneira, o anarquismo é menos utópico do que as demais doutrinas sociais. Os anarquistas não esperam a salvação provinda de determinadas soluções violentas, mas também não se fiam em novos salvadores.
Se o livro do companheiro Leuenroth contribuir para que seja alcançado esse fim, seu autor, que durante mais de meio século, vem lutando no Brasil em favor de seu ideal libertador, poderá sen­tir-se satisfeito com sua obra."
AGUSTIN SOUCHY

Augustin Souchy

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"PRIMÓRDIOS
Quando, onde e como surgiu o anarquismo na arena das cogita­ções, das pesquisas, das formulações, dos embates sobre as normas de convivência social das comunidades humanas?
Essa indagação, assim formulada, abriga uma responsabilidade com tal amplitude que foge ao âmbito sintético deste livro e a capa­cidade do autor. A resposta satisfatória deve ser buscada na obra paciente, escrupulosa e orientadora da inolvidável personalidade que foi a do dr. Max Netlau, o grande libertário nascido na Áustria, inega­velmente o maior historiador do socialismo em sua verdadeira expresão.
O intuito desta obra é apenas servir de estímulo e modesta ten­tativa de indicar um roteiro para a busca das fontes onde os estu­diosos possam encontrar elementos de orientação sobre o anarquismo. Esta parte do livro destina-se ao registro de dados — necessaria­mente sumários — sobre o movimento anarquista em todo o mundo, dentro dos limites de suas atividades.
Uma coisa, porém, não temos hesitação em consignar — numa afirmação categórica: a essência do anarquismo não é produto de um esquema resultante das lucubracões de catedráticos de sociologia ou de deliberações de congressos determinativos, na base de progra­mas de formulações dogmáticas. Não, nada disso, o anarquismo, em seu elemento propulsor, é a emanação da personalidade humana no seu sempiterno esforço para uma perene superação no sentido de tudo quanto na vida há de grandioso, de justo e de belo.
O anarquismo é uma dinâmica social, agindo como imperativo a impulsionar o homem — em todos os tempos e em toda parte na sua luta contra todas as manifestações de tirania, de opressão, de limitações da liberdade; contra todas as superstições e intrujices religiosas; contra todos os elementos de embrutecimento mental e físico da criatura humana — em prol de liberdade sempre mais am­pla e de maior soma de bem-estar e felicidade para todos.
Até quando e até onde? Respondemos com esta sentença do grande sociólogo, inspirado poeta, orador insuperável, jurista e batalhador infatigável do anarquismo — Pietro Gori: 'Laggiu verso Ia parte dove se leva il sole"... Sim, a visão do anarquismo abre-se para horizontes sem limites, indicando o roteiro para a dura mas gloriosa caminhada em busca de sempre maior e mais elevada supe­ração — num viver de bem-estar com base na liberdade.
É nesse embate, sem solução de continuidade, que a dinâmica libertária se apresenta — na vida agitada das comunidades huma­nas, na história de ontem, em nossos dias e através dos tempos — como elemento propulsor das mais altas aspirações da Humanidade. Torna-se ação, luta ativa, onde quer que se torne possível e útil a sua intervenção, como fator de orientação, coordenador e de organização. Foi o que se verificou ao ser fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores (hoje, chamada a Primeira Inter­nacional), de influência fundamental no desenvolvimento do socia­lismo em todo o mundo.
A Associação Internacional dos Trabalhadores, esboçada em 1862, em Paris, e nascida formalmente em Londres, em setembro de 1864, tinha em momento mudado os termos da luta para o progresso e a emancipação humana. Com a Internacional, fundada por inicia­tiva dos poucos que naquela época compreendiam a verdadeira na­tureza da questão social e a necessidade de subtrair os trabalhado­res à direção dos partidos burgueses, começou uma era nova. Os trabalhadores, que tinham sido sempre força bruta seguindo os outros, bem ou mal intencionados, surgiam como fator principal da história humana e, ao lutar pela própria emancipação, lutavam pelo progresso humano, pela fundação de uma civilização superior.
A Internacional desviou os operários dos partidos burgueses e deu-lhes consciência de classe, programa próprio, ação social própria; suscitou e discutiu todas as questões sociais e elaborou todo o socialismo moderno, que alguns escritores pretenderam ter saído de suas cabeças; fez tremer os potentados, despertou ardentes espe­ranças nos oprimidos, inspirou sacrifícios e heroísmos.
Na Internacional, fundada como federação das organizações de resistência, para dar mais largas bases às lutas econômicas contra o capitalismo, manifestaram-se, entretanto, bem depressa, duas ten­dências — a autoritária e a libertária — que dividiram os internacionalistas em duas facções adversárias. Uns queriam fazer da Associação um corpo disciplinado sob as ordens de um Comitê Cen­tral, e os outros queriam que fosse uma livre federação de organiza­ções autônomas; uns queriam submeter as massas para fazer, se­gundo a estreita superstição autoritária, o seu bem à força, os outros queriam levantá-la e induzi-la a libertar-se por si mesma.
O modo de organização, tornado centralista e autoritário por influência do Conselho Geral de Londres, dirigido pelos marxistas, conduziu, de fato, à cisão da Internacional em dois ramos. Essa divisão ficou definitivamente caracterizada no Congresso de Saint Imier, (Suíça), famoso na história da Primeira Internacional e do socialismo em geral, porque, com ele, projetou-se decisivamente, o movimento anarquista, com conteúdo próprio sob o ponto de vista político, econômico, ético e filosófico, e com métodos de ação incon­fundíveis."
EDGARD LEUENROTH
(extraído do livro de Edgard Leuenroth, veja link)
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Documento: Tema 10 do segundo congresso operário da COB em 1913
clique para ampliar
documento veiculado no livro: "A classe operária no Brasil 1889-1930 documentos" de Paulo Sérgio Pinheiro
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Documento histórico:Carta de Edgard Leuenroth, enviada ao jornal Estado de São Paulo. esclarecendo certas coisas...falando sobre 1917 e 1919.

"Citado nominalmente em Notas e Informações de 2 do corrente, com referência à minha participação na greve geral de 1917, sinto-me na obrigação de vir a público, a fim de contribuir com alguns esclarecimentos, para que o episódio citado seja registrado em tôda a inteireza de verdade histórica.
Torna-se necessário, por isso, ser permitido pronunciar-me, embora sumariamente, sobre a origem e o desenrolar dêsse acontecimento de excepcional relevo na história da vida coletiva de São Paulo. Diga-me, antes de tudo, que a greve geral de 1917 não pode, de maneira alguma, ser equiparada sob qualquer aspecto que seja examinada, com outros movimentos que posteriormente se verificaram como sendo manifestações do operariado.
Isso não, absolutamente não! A greve geral de 1917 foi um movimento espontâneo do proletariado sem a interferência, direta ou indireta, de quem quer que seja. Foi uma manifestação explosiva, consequentemente de um longo periodo da vida tormentosa que então levava a classe trabalhadora.
A carestia do indispensável à subsistência do povo trabalhador tinha como aliada a insuficiência dos ganhos; a possibilidade normal de legítimas reivindicações de indispensáveis melhorias de situação esbarrava com a sistemática reação policial; as organizações dos trabalhadores eram constantemente assaltadas e impedidas de funcionar; os postos policiais superlotavam-se de operários, cujas residências eram invadidas e devassadas; qualquer tentativa de reunião de trabalhadores provocava a intervenção brutal da Policia. A reação imperava nas mais odiosas modalidades. O ambiente proletário era de incertezas, de sobressaltos, de angústias. A situação tornava-se insustentável.
A notícia da morte de um operário, assassinado nas imediações de uma fábrica de tecidos do Brás, divulgou-se como um desafio à dignidade do proletariado. Caracterizou-se como um violento impacto emocional sacudindo todas as energias. O enterro dessa vitima da reação foi uma das mais impressionantes demonstrações populares até então verificadas em São Paulo. Partindo o feretro da Rua Castano Pinto, no Brás, estendeu-se o cortejo, como um oceano humano, por toda a avenida Rangel Pestana até a então Ladeira do Carmo em caminho da Cidade, sob um silencio impressionante, que assumiu o aspecto de uma advertencia. Foram percorridas as principais ruas do centro. Debalde a Policia cercava os encontros de ruas. A multidão ia rompendo todos os cordões, prosseguindo sua impetuosa marca até o cemitério. À beira da sepultura revezaram os oradores, em indignadas manifestações de repulsa à reação.
No regresso do cemitério, uma parte da multidão reuniu-se em comicio na Praça da Sé; a outra parte desceu para o Brás, até à rua Caetano Pinto, onde, em frente à casa da familia do operario assassinado, foi realizado outro comicio. Sem que se possa precisar detalhes, verificou-se uma agitação entre a multidão estacionada nas imediações da avenida Rangel Pestana. Havia sido assaltada uma carrocinha de pão. Essa ocorrencia teve o efeito da chispa lançada ao rastilho de polvora. Parece ter servido ela de exemplo e estimulo para que a mesma ação fosse praticada em muitas partes da cidade. Feito que aconteceu com rapidez fulminante, como se um veiculo de comunicação de excepcional capacidade pusesse em contato todo o elemento popular paulistano. As fábricas e oficinas esvaziavam-se, enquanto as ruas se povoavam de multidões, movimentando-se agitadas em todos os sentidos. Foi quando mais se intensificou a repetição do episódio do assalto do carrinho de pão, sendo atingidos mercearias, depositos de mantimentos, armazéns, etc.
Paralizava-se a vida laboriosa de São Paulo que não pode parar, para dar lugar a uma convulsão popular sem precedentes na vida paulistana.
A Policia entrou em ação. Começaram os choques com as multidões. Dos encontros resultaram vitimas de ambos os lados.
Os operários não se podiam reunir para tomar resoluções. Cada corporação lançava os seus memoriais de reivindicações, quase todas coincidentes, na maioria delas. Mas uma ação de conjunto, coordenada para a determinação do objetivo comum, não se tornava exequivel no momento, devido à impossibilidade realização de assembléias sindicais.
Foi então que se constituiu o Comitê de Defesa Proletaria, resultante de uma reunião clandestina de militantes de várias categorias sindicais. Sua função não seria de órgão diretor para expedir palavras de ordem. Sua missão seria de um nucleo de relações e coordenador das reivindicações dos trabalhadores em agitação e privados de seus sindicatos e de seu organismo federativo. De conformidade com essa característica, seu primeiro trabalho foi reunir em um único memorial as reivindicações comuns a todas as categorias profissionais, constantes de boletins por elas divulgados, e que, anteriormente, tinham sido objeto de exame nas organizações operárias, antes de seu fechamento.
Constavam dessas reivindicações generalizadas, entre outras, a jornada de 8 horas, aumento dos salários, redução dos alugueis, normalização do trabalho das mulheres e dos menores, melhoramento dos locais de trabalho. Encabeçavam essas reivindicações as exigências do respeito ao direito de organização e de reunião, e a libertação imediata de todos os operários encarcerados. As reivindicações, especificas de cada profissão seriam acrescentadas pelas mesmas. Embora a vigilância policial fôsse exercida com o maximo rigor, esse memorial do Comitê da Defesa Proletaria teve a maxima divulgação entre os proletarios em luta.
A situação ia se tornando cada vez mais grave com os choques entre a Policia e os trabalhadores. O Comitê de Defesa Proletária, somente vencendo toda a sorte de dificuldades conseguia realizar apressadas reuniões em pontos diversos da cidade, às vezes sob a impressão congrangedora do ruido de tiroteios nas imediações. Tornava-se indispensavel um encontro dos trabalhadores, para ser tomada uma resolução decisiva. Surgiu, então, a sugestão de um comicio geral. Como e onde? E como vencer os cercos da Policia? Mas a situação, que se desenrolava com a mesma gravidade, exigia a sua realização. O perigo a que os trabalhadores se iriam expor estava sendo transformado em sangrenta realidade nos ataques da Policia em todos os bairros da cidade, deles resultando também vitimas da reação, inumeros operarios, cujo único crime era reclamarem o direito à sobrevivencia.
E o comicio foi realizado. O Brás, bairro onde tivera inicio o movimento, foi o ponto da cidade mais indicado, tendo como local o vasto recinto do antigo Hipodromo da Mooca. Foi indescritivel o espetaculo que então a população de São Paulo assistiu, preocupara com a gravidade da situação. De todos os pontos da cidade, como verdadeiros caudais humanos, caminhavam as multidões em busca do local que, durante muito tempo, havia servido de passarela para a ostentação de dispendiosas vaidades, justamente neste recanto da cidade de céu habitualmente toldado pela fumaça das fábricas, naquele instante, vazias dos trabalhadores que ali se reuniam para reclamar o seu indiscutivel direito a um mais alto teor de vida. Não cabe aqui a descrição de como se desenrolou aquele comicio, considerado como uma das maiores manifestações que a história do proletariado brasileiro registra. Basta dizer que a imensa multidão decidiu que o movimento somente cessaria quando as suas reivindicações, sintetizadas no memorial do Comitê de Defesa Proletária, fossem atendidas.
O término do comício teve o mesmo aspecto de que se revestiu o seu início. A multidão se desdobrava em numerosas colunas que se punham em marcha, de regresso aos bairros. Os militantes mais visados retiravam-se no meio de grupos espontaneamente formados. Soube-se mais tarde que, em pontos distantes do local do comicio, haviam-se realizado varias prisões.
A esta altura dos acontecimentos chegou ao conhecimento do Comitê de Defesa Proletaria a iniciativa surgida no meio jornalistico de ser realizado um encontro de uma comissão de jornalistas e o referido comitê de Defesa Proletária. O convite foi feito por intermédio do diretor do jornal O Combate, Nereu Rangel Pestana. O encontro foi marcado. Os membros do comitê compareceram à reunião com a segurança de não serem presos, em virtude do compromisso assumido pelo presidente do Estado com os jornalistas. O local escolhido foi a redação de O Estado de S. Paulo, então situado na praça Antonio Prado. A comissão de jornalistas era composta de representantes de jornais diários da Capital e o Comitê de Defesa Proletária, pelos seguintes elementos: Antonio Candeias Duarte, comerciário; Francisco Cianci, litógrafo; Rodolfo Felipe, serrador; Gigi Damiani, pintor, diretor do jornal libertário La Bataglia; Teodoro Municeli, diretor do jornal socialista Avanti, e Edgard Leuenroth, jornalista, diretor do jornal anarquista A Plebe e secretario do comitê.
Na primeira reunião foi examinado o memorial das reivindicações dos trabalhadores, apresentado pelo Comitê de Defesa Proletaria, que a comissão de jornalistas estava encarregada de levar ao governo do Estado. A segunda reunião teve o seu inicio retardado, em virtude da prisão de dois dos membros do comitê de Defesa Proletaria ao sairem da redação, após a primeira reunião. Os entendimentos seriam rompidos se esses dois elementos não fossem imediatamente postos em liberdade. Essa resolução foi transmitida ao presidente do Estado. A exigencia foi atendida, os elementos levados à redação, e a reunião pôde ser realizada com breve duração, pois o governo ainda não havia entregue a sua resolução.
A resolução da concessão das reivindicações dos trabalhadores foi dada por intermédio da Comissão de Jornalistas, com a informação de que já estavam sendo libertados os operários presos durante o movimento.
Foram realizados comicios dos trabalhadores em vários bairros para a decisão da retomada do trabalho, que se iniciou no dia imediato.
São Paulo reiniciava suas atividades laboriosas. A cidade retomava o seu aspecto costumeiro, restando, entretanto, a triste lembrança das vitimas que haviam deixado lares enlutados.
Muito tempo ainda não havia decorrido, quando se verificou a minha prisão. Iniciou-se então minha peregrinação pelos postos policiais, com o fim de serem burlados os habeas corpus requeridos quando fui transferido para a Cadeia Publica, hoje Casa de Detenção. Após seis meses, fui levado ao Tribunal do Juri, para ser julgado pela estupida acusação de ter sido o autor psiquico-intelectual da greve geral de julho de 1917. Fui absolvido por unanimidade de votos, após dois adiamentos, com o intuito de impedir de ter também como defensor, ao lado do dr. Marry Junior, o grande criminalista dr. Evaristo de Morais.
Passado algum tempo, divulgou-se a notícia de deportação de alguns militantes proletários para outros Estados.
Poderia ser mais detalhado, se isso fosse aqui cabivel, e se a renitente crise de saude, que me detém em casa, não me impedisse de utilizar o documentário de que disponho.
Isso o farei tão breve seja possivel, se conseguir avançar mais um pouquinho alem do marco octogenario da vereda de minha vida...
Agora, julgo não ser descabido ocupar mais algumas linhas a propósito da referencia sobre um meu encontro com o dr. Julio de Mesquita Filho, em Campinas. Foi em abril de 1958, por ocasião da Exposição Retrospectiva do I Centenário da Imprensa de Campinas. A organização do Certame foi confiada a mim, na parte relativa à imprensa geral do Brasil, e ao senhor José da Costa Mendes, a de Campinas. O dr. Julio de Mesquita Filho lá esteve para realizar uma Conferência.
Foi quando se verificou a referida palestra com o dr. Mesquita sobre episodios do movimento proletario. Prende-se um deles à greve geral de 1917, e que serve como mais uma demonstração da mentalidade reacionária então imperante. Quando nos reuniamos na redação do Estado, usavamos para nossos apontamentos o mesmo papel destinado ao uso dos redatores e encabeçado com o nome do jornal. A policia serviu-se disso para lançar a calunia de que o jornal tinha ligações com a greve. Essa infamia foi denunciada com veemencia pelo sr. Nereu Rangel Pestana, no jornal O Combate.
Um outro episodio, relembrado na minha palestra com o dr. Mesquita, verificou-se em 1919, ano excepcionalmente agitado do movimento proletario paulistano. Publicava-se, então, em edição diária, o jornal libertário A Plebe, cujo aparecimento, sob minha direção, coincidiu com o inicio da greve de 1917.
Certa noite, quando nos encontramos à lufa-lufa da preparação do jornal, recebemos informação de que a sede do jornal seria invadida pela policia. Efetivamente, a redação foi cercada por policiais, que ali permaneceram toda a noite. Alguém, que estivera com a autoridade responsavel diligencia, transmitiu-nos a estranha informação de que a policia somente invadiria a redação às 6 horas da manhã, isso em respeito a uma determinação legal. Era justificavel nossa estranheza, pois, naquele então, os assaltos a sede sindicais e a domicilio de operarios, na calada da noite, estavam na ordem do dia.
Mas há de registrar um outro aspecto desse episodio verificado naquela memorial noitada de jornalismo proletario. Foi quando, esperando a entrada, a qualquer momento, dos policiais invasores, alguém entrou apressado e, com um todo de admiração, informou: o dr. Julinho está aí. De fato, ante a admiração da autoridade, a improvisada redação do jornal proletaria recebia a visita de um diretor de um dos maiores jornais do Brasil. O dr. Julio de Mesquita Filho explicou que lá comparecia por ter sido informado do que estava acontecendo. A todos cumprimentou, e, somente após demorada palestra, deixava aquela velha casa do tempo de antanho, situada na rua das Flores, desaparecida com a abertura da Praça Clovis.
E, às 6 horas da manhã, a policia invadia a sede da redação do histórico jornal proletário."
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"PRESENÇA ATUAL
(retirado do livro de Edgard Leuenroth "Anarquismo roteiro..." ver link)
"Nestas páginas destinadas a um sintético apanhado histórico do movimento anarquista, foram reunidos dados sobre sua origem - com base nas aspirações de bem-estar e liberdade da criatura humana; sua estruturação fundamental — com o estudo dos cho­cantes aspectos das injustiças da sociedade capitalista; a forma­ção de seus princípios doutrinários com o trabalho ciclópico, pleno de profundos ensinamentos, produzido por uma brilhante plêiade de mentalidades de escol e formando um grande patrimônio de obras de valor inestimável; o registro dos grandes embates, para sua conse­qüente tomada de posição no campo do socialismo; o desenvolvi­mento orgânico de sua atividade; e, finalmente a afirmação de sua presença nas lutas sociais deste turbilhonante momento da vida da Humanidade.
Surgindo como expressão dos impulsos das aspirações humanas e tornando-se, por isso, uma dinâmica social, o anarquismo atua como animador de indivíduos e coletividades nas suas inquietudes libertárias em suas ações tendentes a vencer barreiras limitadoras e abrir caminho em busca de novos moldes de convivência mais con­sentâneos com os princípios de eqüidade em todas as manifestações da vida humana.
Mesmo reiterando a demonstração desse atuante elemento humanístico do qual emanam — como lógico imperativo — as bases sociais, isto é, econômicas, políticas, éticas e filosóficas do anar­quismo justificando e impulsionando o movimento libertário mun­dial — de existência mais que secular — ainda poderão surgir pro­nunciamentos de dúvidas sobre a atividade anárquica, partidas de pessoas insuficientemente informadas a respeito do movimento so­cialista internacional, em suas várias modalidades, ou de elementos sectários preocupados em impor a preponderância artificial de al­gumas de saias correntes.
A atualidade do anarquismo, com sua presença ativa na vida de hoje, está demonstrada, numa exposição objetiva, clara e pre­cisa, em outra parte do livro, podendo-se apenas reforçá-la com algumas considerações sobre particularidades de aspectos dos ele­mentos enunciados. é o que aqui se procura fazer.
Se devêssemos tomar como teste dessa existência os partidos ou organizações com bases nacionalistas ou místicas, que agrupam multidões amorfas, cadastradas em colossais fichários e movimen­tadas em rumorosas manifestações ou aparatosos desfiles de cria­turas vazias de qualquer conteúdo ideológico, gritando em favor de quem no momento mais promessas faz, para depois dirigirem seus brados de apoio a outros demagogos, às vezes com tinturas de men­tirosa democracia ou com pinceladas de rubro como ostentação de esdrúxulo esquerdismo — sim, se tivéssemos de aceitar esse errado confronto — a existência do anarquismo não seria constatada.
O anarquismo tem expressão num movimento constituído de unidades autônomas e ativas, que a ele se ligam — sem perda de personalidade — por deliberação voluntária e consciente, e não de indivíduos ainda sem consciência social bem formada, arregi­mentados sob disciplina autoritária, obedientes às palavras de or­dem de elementos de cúpula, para serem executadas automatica­mente, sem possibilidade de nenhum exame ou divergência.
O movimento libertário assenta a base ética-social de sua es­truturação no objetivo de formar conjuntos constituídos de unida­des representando valores individuais, e não multidões de atuação oscilante, sem individualidade própria, dependentes sempre de de­terminações de líderes, dirigentes, chefes, muitas vezes transfor­mados em messias, dos quais tudo esperam.
Há ainda uma circunstância relevante, que não permite ajui­zar-se sobre a situação do anarquismo mediante confronto das bases de seu movimento com as de outras correntes do socialismo e de organizações de orientação nacionalista ou mística: o movimento anarquista não oferece a possibilidade da obtenção de empregos ou da conquista de postos de representação política, não mantendo quadros de funcionalismo para a movimentação de sua obra e nem apresentando candidatos a eleições.
Exatamente o contrário se verifica em relação aos outros movi­mentos ou organizações que, com diferença de proporções, sujeitara o desenvolvimento de sua atividade à atuação de funcionalismos numerosos, constituídos, em grande parte, de elementos retirados da produção, isto é, do exercício de suas profissões, e que, desabituan­do-se das obrigações de produtores, passam a constituir, um burocratismo desvirtuador e parasitário. Além dos cargos nos partidos e nas organizações, oferecem ainda postos nas casas de representa­ção municipal, nas deputações e senatorias e em cargos governa­mentais, tudo isso proporcionando a possibilidade de vida mais fol­gada, e ainda, para muitos, o ensejo para a exibição de vaidades e de ganhos cuja origem nem sempre pode ser justificada.
O anarquismo nada mais pretende de seus militantes senão que cada um dê ao movimento libertário a atividade resultante dos im­perativos de sua consciência e o cumprimento das obrigações oriun­das de acordos estabelecidos com sua participação e livremente acei­tos. Nada exigindo autoritariamente de seus componentes, também nada lhes promete proporcionar como vantagens e regalias. As únicas recompensas que o militante anarquista obtém dos esforços - e até dos sacrifícios que dedica ao movimento libertário é a consi­deração de seus companheiros de labutas e a satisfação de contribuir para a vitória de um ideal que condensa a mais elevada concepção de justiça social até hoje registrada na história de todos os tempos.
Resulta desta exposição a constatação de que uma única deter­minante atua para a participação no movimento anarquista: a cons­ciência do indivíduo, livre de injunções, de intimidações ou de con­veniências, de ambições políticas ou de conquista de posições de destaque, ou ainda de ganho.
Daí concluir-se que, não oferecendo o movimento anarquista as vantagens de ordem pessoal proporcionadas por outros movimentos, partidos e agrupações, dificilmente pode atrair para suas fileiras os numerosos elementos que orientam a própria atividade social na base de entusiasmos ocasionais sem motivo ideológico, de simpatias ou de antipatias pessoais, de paixões políticas, o que lhes permite alternar as respectivas ações em campos os mais diversos e muitas vezes contraditórios, como conseqüência de influências dominantes em cada situação.
Em face desta definição das bases estruturais do anarquismo, dir-se-á que, conseqüentemente, a ação libertária só poderá ter expressão num movimento de minorias. Sim, essa objeção auto­riza a indagar o que se considera como expressão de maioria na vida político-social da sociedade.
Poderão admitir-se com tal significado aquelas multidões fanatizadas de António Conselheiro e que, em Canudos, serviram de material para que se escrevesse um dos mais pungentes episódios da História do Brasil? Poderá haver quem tome como maioria as massas ignaras que, no Juazeiro do Ceará, buscavam solução para os seus males nas bênçãos do padre Cícero, reproduzindo-se o mesmo espetáculo de ignorância, miséria, maldades e violências com os infelizes jagunços do sertão baiano?
No quadro Internacional figuram como maioria dominante, num trágico período da História, as imbecilizadas multidões do nazismo, urrando sadicamente ante a passagem das aparatosas formações de soldados marchando como autômatos a passo de ganso, sob o comando supremo de Hitler, o megalômano sanguinário transformado em messias por massas fanatizadas que sacrificaram milhões de criatu­ras inocentes e que serviram depois de carne para canhão na mais terrível de todas as guerras. Figura igualmente na História como maioria numérica, transformada em governo legal, a massa fascista de Mussolini, o sanguinário histrião que, durante longo e trágico período histórico, conduziu multidões embrutecidas pelo fanatismo messiânico à prática de toda sorte de crimes, incluindo massacres de milhares de criaturas animadas por consciências livres, e em agressões a outros povos, como na África e contra os revolucionários que lutavam na Espanha para impedir a implantação do regime de tirania que, com essa criminosa cooperação, lá passou a dominar.
Entre outra espécie de maiorias que, com sua maléfica obra ma­nobraram a história de outras épocas, e ainda hoje aparecem repre­sentadas por multidões animadas de misticismos embrutecedores, incluem-se as massas orientadas pelo fanatismo religioso, guiadas por falsos pastores cuja ação danosa consiste em alimentar intru­jices e paixões malsãs, que não raro explodem em disputas sangren­tas sob a égide de santidades criadas pela ignorância aliada à mi­séria .
Não deixam também de constituir maioria, como expressão de instituições estatais de constituição legal, as multidões que, impeli­das por preconceitos raciais, massacram na África do Sul milhares de criaturas, somente porque são portadoras de pigmentação negra.
São, ainda, consideradas como expressão de maioria as massas periodicamente movimentadas, ora por políticos profissionais de determinada facção, ora por outros de posição partidária oposta, sempre, porém, com o mesmo objetivo: servirem de instrumento de suas ambições, como trampolins para galgarem posições que lhes proporcionem possibilidades de conseguir polpudos ganhos através de cargos de representação.
Consideram-se, finalmente, como maioria, pretensamente repre­sentativa da esquerda do movimento social, certas agremiações polí­ticas compostas de numerosos quadros de elementos que, abdicando de sua faculdade de livre determinação, seguem automaticamente as palavras de ordem partidas de uma direção de cúpula, às vezes, para a execução de atos dos quais resultam desastrosas conseqüên­cias, provocados por erros depois confessados em tardias manifes­tações de "mea culpa" sem nenhuma possibilidade de reparação.
Em face de tais maiorias numéricas, os anarquistas represen­tam, certamente, um movimento de minoria. E isso constitui mo-tivo de satisfação e, por que não dizer, de orgulho para os libertá­rios, pois é preciso ter coragem, muita coragem e decisão, alimen­tada pela capacidade de resistência de uma inabalável ética social, para não se deixar atrair para esse perigoso paul de abjeções político- sociais.
Com tais elementos, com semelhantes procedimentos e com iguais intuitos jamais pretenderão os anarquistas reunir em seu movimento multidões majoritárias.
Isso não significa que os libertários não desejem e não se esfor­cem no sentido de conseguir constituir um movimento que tenha igualmente expressão social pelo número cada vez maior dos seus aderentes à causa que representa. Mas, para a consecução desse objetivo, não pode ser desprezada a observância de uma das carac­terísticas predominantes do anarquismo ,isto é, que o seu movimento seja a expressão de um conjunto de unidades ativas, animadas por vontades conscientes, para que suas atividades correspondam à con­textura do anarquismo, não somente quanto à sua finalidade, como também no que se refere às bases éticas de seus métodos de ação.
As vezes, aqui, com núcleos de agrupações, ali, com elementos menos numerosos, em outros períodos agindo com multidões — quando o movimento libertário toma a feição de maioria real, atuante pelo exemplo da participação — o anarquismo vem desenvolvendo a sua obra de sementeira doutrinária, executando iniciativas com a finalidade de divulgar a instrução e a educação entre o povo. Está sempre presente no combate aos vícios e às corrupções da so­ciedade, ao lado dos trabalhadores e do povo em geral nos movimen­tos de protesto contra as violências e explorações e de reivindicação de direitos conspurcados, fazendo-se, enfim, notar por seu espírito de sacrifício onde quer que haja uma injustiça a combater ou uma conquista a sustentar.
Somente a cegueira sectária poderá fazer restrições quanto à presença do anarquismo na vida de hoje. Quem acompanhe os acontecimentos sociais com critério objetivo verificará, inevitavel­mente, que a ação libertária, que nunca sofreu solução de continui­dade, prossegue no seu roteiro de luta com a mesma firmeza e in­transigência que caracteriza a sua obra desde os albores de seu surgimento no movimento socialista mundial.
Em diversos países existem em atividade organizações nacionais como expressão de agrupações locais reunidas em federações regio­nais; em outros, atuam organizações esparsas; há, ainda, aqueles nos quais, em virtude de contingências limitadoras, os militantes devem agir individualmente, com atuações de conjunto, sempre que se apresente a oportunidade. Essas atividades têm expressão de conjunto de maior repercussão com a realização de excursões, en­contros, conferências, convênios e congressos — nacionais, regionais e internacionais.
No terreno cultural, há organizações de pesquisas históricas sobre o movimento, paralelamente a arquivos e bibliotecas, além dos já mencionados centros e ateneus de cultura e grupos teatrais. As organizações editoras lançam freqüentemente edições de livros, folhetos, almanaques, calendários, postais etc.
Como veículo de divulgação, de crítica e de combate, circula pelo mundo a imprensa anarquista, dispondo de jornais e revistas de apresentação bem cuidada, não somente em sua feitura gráfica e jor­nalística, como no escrúpulo de seleção da matéria que publica e no critério cuidadoso em informar sobre os acontecimentos sociais, bem como suas apreciações. Mesmo nos países submetidos à tirania das ditaduras, sempre que é conseguida uma brecha, surgem, em forma clandestina, publicações anarquistas veiculando a conclamação li­bertária, custando isso, muitas vezes, o sacrifício de seus editores.
E tudo isso se faz na base do livre acordo e do apoio-mútuo, com rigoroso respeito ao princípio da autonomia e do federalismo, partindo da unidade para o todo, sem organizações determinadoras de palavras de ordem. O anarquismo está, sim, bem presente na hora que possa, como sempre tem estado, na atividade de suas orga­nizações, veiculada por sua imprensa e por seus livros e atestada na luta permanente de seus militantes, que, no desenvolvimento de sua atuação corajosa, chegam a suportar até o sacrifício das próprias vidas.
O movimento anarquista não tem deixado de estar presente, como elemento atuante, em todas as situações onde se torna opor­tuna a sua cooperação com o povo, nas lutas reivindicadoras, tanto em ações locais como nos acontecimentos de grande vulto, a exemplo do que se verificou na Comuna de Paris, em 1871, quando o anarquis­mo teve a sua presença nessa rebelião popular, atestada pela ação orientadora de numerosos militantes libertários, destacando-se den­tre eles essas grandes figuras que a história das lutas libertadoras da Humanidade registra com destaque: Luisa Michel e Eliseu Reclus.
Outro acontecimento que avulta na História como o clangor de uma clarinada a exortar o povo oprimido a atividades libertadoras, é o que se menciona com a denominação de "Os Mártires de Chica­go". Foi em 1887, quando de sobre o tablado patibular, já com os laços das cordas de enforcamento ao pescoço, quatro anarquistas (Parsons, Spies, Pischer e Engel, com Ling que, na véspera, se ma­tara para não entregar seu corpo ao carrasco), serviram-se heroica­mente daquele inscrivel crime judiciário para atestar a presença do anarquismo.
Na história do movimento revolucionário que libertou o México da tirania sanguinária do ditador Porfirio Díaz ,a presença do anar­quismo está registrada em gloriosos feitos escritos com o sangue de militantes libertários. Quando, em 1910, foi lançado o movimento decisivo para derrubar o tirano, Porfirio Diaz, foram os anarquistas que, agrupados sob a denominação de Partido Liberal Mexicano, se puseram à frente, em combates, tombando na luta numerosos militantes, entre eles um elemento de grande valor — Praxedes G. Guerrero, qual veio a morrer numa prisão dos Estados Unidos, e Ri­cardo Flores Margon, notável vulto libertário, que fora àquele país por causa da revolução libertadora. "Terra e Liberdade" — foi o lema libertário que animou a gloriosa gesta dos anarquistas mexi­canos, ainda recordada entre a gente do campo no país asteca.
O anarquismo esteve bem presente na revolução russa, desde os primórdios de sua preparação até ao seu desfecho. A capacidade de luta, aliada à capacidade de realização prática na obra de organi­zação da vida em bases socialistas, ficou bem evidenciada na Ucrâ­nia ,onde os camponeses organizaram as comunas livres orientados por anarquistas, destacando-se nessa obra revolucionária o militan­te Nestor Mackno, razão pela qual esse movimento é registrado com a designação de macknovismo.
Nesse mesmo período, o anarquismo esteve presente na revolu­ção húngara, na luta ativa e na organização das comunas livres. Ainda na nação magiar, em 1956, elementos anarquistas se atiraram à luta eclodida para a libertação da tirania dominante, sucumbindo então antigos militantes libertários que vinham batalhando desde a dominação fascista.
Igual presença do anarquismo nota-se na Bulgária, onde um mo­vimento libertário ativo agiu com o povo em todas as suas lutas reivindicadoras, registrando-se a perda de esforçados militantes anarquistas, além daqueles que sucumbiram nas prisões, onde mui­tos ainda se encontram.
Foi com o brado de "Viva a Anarquia!" que o anarquismo ates­tou mais uma vez, de forma clamorosa, a sua existência atuante nos Estados Unidos, quando, em 1927, o carrasco, a serviço do capi­talismo, ligou a corrente elétrica para a eletrocução dos militantes libertários Nicola Sacco e Bartolomeu Vanzetti, sacrificados por terem lutado em prol da causa dos trabalhadores e da libertação da Humanidade, na sua peleja interminável em defesa dos direitos dos oprimidos, condenados pela justiça burguesa em tremendo crime judiciário, cuja revisão de processo noticiou-se estar em curso nos tribunais supremos.
Essa presença também se proclamou ao mundo quando, em 1909, através das muralhas do castelo de Montjuich em Barcelona, partiu o grito de "Viva a Escola Moderna!" — lançado por Francisco Ferrer, como mensagem libertadora às vítimas de todas as opres­sões, ao tombar varado pelas balas dos janízaros da reação clérico-militar-capitalista.
A presença do anarquismo ressalta nas páginas da História, num quadro de realidades tão grandiosas, que assumem proporções de epopéia por toda a sua significação libertária e que apenas podem sar citadas, pois difícil será reduzi-las a uma síntese de períodos limitadores: trata-se da Revolução Espanhola, que, de 1936 a 1939, consignou feitos dos mais empolgantes até hoje registrados. E, ainda na Espanha, o anarquismo continua a proclamar a sua exis­tência nas lutas desiguais sustentadas por militantes libertários em regiões montanhosas e mesmo nos centros populosos, muitos tom­bando nas pelejas e outros indo aumentar o número incontável dos que povoam as prisões do franquismo sanguinário.
No Brasil, a presença do anarquismo tem sido evidente desde o início, aqui, de sua atividade, a partir da última década do século passado, como se consigna, em forçada síntese, na parte histórica deste livro. Pode-se dizer que houve um período na História do Bra­sil — nas primeiras décadas deste século — em que o anarquismo chegou a constituir, pela firmeza de sua orientação e conseqüente atividade, o movimento idealístico de mais ressonância nacional.
A margem da política partidária, a ação libertária tem figurado em todas as lutas ligadas aos problemas do proletariado e da vida brasileira em geral. Na história de suas lutas, há páginas conden­sando fatos que configuram um verdadeiro martirológio de seus mi­litantes, que têm suportado tudo quanto se possa registrar no que se refere a perseguições e brutalidades de que são vítimas. O sacri­fício de seus militantes tem uma síntese simbólica na tragédia que vitimou cinco valorosos anarquistas: Pedro Mota, Nino Martins, Nicolau Parada, José Fernandes Varela e João Alves do Nascimento, deportados de São Paulo e do Rio de Janeiro para o extremo Norte. No dia 1.° de Maio de 1925, com as estrofes reivindicadoras de "A Internacional", proclamaram eles ao povo atormentado desta terra a presença do anarquismo até lá nas brenhas das matas da Cleve-lândia ,onde jazem as ossadas de cinco deles, como atestado das maldades do regime capitalista."

Edgard Leuenroth (1881-1968)
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